segunda-feira, 30 de abril de 2012

x Catch your plane



Peguei o primeiro táxi que apareceu, seguindo em disparada para o aeroporto internacional da cidade, lutando com minhas virtudes para não interferir em algo que já estava programado, que estava escrito e que,acima de tudo, era pra ser assim desde que nossos destinos se cruzaram.
Respiro fundo, embaçando o vidro e vejo as gotas de chuva caindo. O taxista tenta começar uma conversa, mas não a levo adiante.Não possuía o menor humor para conversar,  uma parte de mim estava me deixando, e eu estava me auto-obrigando a aceitar o fato, coisa que parecia meio inútil levando em conta os pensamentos que adornavam minha mente:
'' Será melhor, David'', '' Você já sabia que isso ia acontecer, David, pare de se lamentar, chegou a hora de seguir sua vida, e você sabe disso''.


Coloco meus fones de ouvido, com uma música qualquer no I-pod , evitando de uma vez as tentativas de contato do motorista. O trânsito piorava a cada vez que a chuva ficava mais forte, como o rotineiro. Aleatoriamente me pego relendo antigos sms, que eram muitos, afinal, uma amizade de quase cinco anos rende muito assunto, não é mesmo ?.
Cinco anos da minha vida. Incontáveis dias e noites, incontáveis horas e minutos vividos com tamanha intensidade ao lado de uma pessoa que eu nem deveria olhar na cara. É divertido ver que eu e Pierre havíamos crescido tanto, juntos, como amigos, irmãos, e por algumas vezes, até mais do que isso.
''- Está chovendo,coloque o casaco Desrosiers e cuide para sua garganta não piorar'', ''- Hey Davie, não acha melhor fazermos o trabalho assim ou assado ? essa faculdade viu'' '' Boa noite senhor Double D, tenha bons sonhos e não morda a fronha''. Sinto uma lágrima cair do olho esquerdo, e em contrapartida um sorriso largo se abriu em meus lábios, era estranho ler tudo isso e extremamente reconfortante. Soa exagerado, claro, mas o que você faria se o rapaz que você ama, que por diversas vezes disse lhe amar também, está deixando o seu país para viver o seu primeiro amor ? pois bem.

''O rapaz que eu amo''. Solto um riso sádico, carregado de ódio. Foi duro notar que amava meu amigo, ainda, apesar de todas as coisas. Ficamos juntos por tantas vezes, e,por alguma razão não conseguíamos nos separar, ou arrumar novas pessoas.Até tentamos, mas nunca funcionava,simplesmente ficava maluco com a menção de perdê-lo. Mas adivinhem ? eu  o havia perdido... melhor dizendo, nunca o tive.
Muitos anos antes de me conhecer, Pierre havia encontrado uma pessoa. Lachelle não possuía nossa nacionalidade, mas por alguma razão que o mundo desconhece, se encontraram, se gostaram e se amaram. Naturalmente ela teve que partir para a sua vida, deixando no coração do maior um sentimento grandioso, uma semente de '' não importa aonde o destino me leve, eu vou esperar por você'' , que o alimentou por todos esses anos, e foi o bastante para que qualquer pessoa que por ventura, gostasse, nunca fosse importante o bastante quanto aquela que ele pode ver tão poucas vezes.
O táxi estaciona, havia chegado, Aeroporto internacional de Quebec, Canadá.
A chuva tinha parado, como que por encanto. Agradeci mentalmente, já que isso poderia atrapalhar a viagem. Caminho vagarosamente entre as milhares de pessoas e olho apressado o painel, que marcava que o próximo vôo para França sairia em vinte minutos.


Pego meu celular, e disco o número de Pierre, que atende, diz sua localização e desliga. Falar ao telefone não era uma de suas atividades preferidas.
Cinco minutos de caminhada depois, vejo cabeças de pessoas conhecidas, eram Jay, John, ambos irmãos do maior, Chuck um amigo nosso em comum, e Jeff amigo de longa data sua, e obviamente, estava lá, ele, trajando seu cachecol preto, com as bochechas rosadas, morrendo de frio, Pierre, sempre o Pierre.
- Hey David - Chuck acenou em minha direção, o cumprimentei, balançando a cabeça.
- Olá - acenei olhando para o chão e assim cumprimentando aos demais, não me dava muito bem com Jay e John, que há muito haviam formado conceitos sobre mim, o que não permitia mais do que um ''olá e adeus'', não me importava com isso.
- Hey you - Pierre me recebeu calorosamente, me dando um abraço e um beijo na testa,como o rotineiro. Tomei então a liberdade de prolongar o abraço, me inebriando com seu perfume,tão simples,mas tão,marcante,me aninhando em seus braços, agora maiores por conta do casaco grosso que usava.
Os presentes achavam aquilo um exagero tamanho, e saíram de perto, nos deixando a sós.
- Uh, ainda acha que eles não me odeiam ? - sorri de canto, largando seu braço. 
- Relaxe hm ? eles estão felizes, mas estão preocupados, coisa de família - coçou a cabeça e rolou os olhos, vendo que os meus ainda fitavam o chão. Pegou meu queixo, fazendo com o que eu o encarasse.
- Que foi, chubby ? - ri novamente, ele não precisava saber que por dentro eu estava gritando, ele só precisava saber que eu o apoiava.
- Nada, não sei de nada - respondeu, ainda me encarando com seus bonitos olhos castanhos - Você está bem?
- Claro que estou ! Hoje é seu dia,eu sei o quanto você esperou por isso, man ! - dei tapinhas em suas costas - E você, preparado pra rever a sua Lachelle depois de todos esses anos ?
- Bem, sim, estou - sorriu - parece mentira, né ? - questionou.
Realmente, parecia mentira. 
- Sim, parece. Mas não é, você vai ficar do lado do seu amor, vai dar aula como sempre quis, vai ser rico - soltei alguns risos - e não vai precisar mais esquentar a cabeça com nada e nem ninguém daqui, não é ótimo ? - coloquei novamente minhas mãos em seu ombro - É um importante passo, você merece isso, merece ser feliz, e merece mais do que ninguém estar com ela, diga-a pra fazê-lo sorrir, como ninguém daqui conseguiu! 
Pierre arregalou os olhos nas ultimas palavras, que foram proferidas com um grau maior de ódio do que o habitual. 
- Vou sentir saudade, te desejo toda a felicidade do mundo, como já desejei tantas vezes, mesmo estando com ciúmes - rimos em conjunto- fico feliz por ter feito parte da sua vida, pelo menos um pouco, e ter sido  pelo menos, importante - sorri sincero- enfim, não vou ficar rasgando seda - acariciei seu rosto - França te espera, assim como queijos, vinhos e a sua mulher hm ? .
Diante de todas as palavras,o maior ficou sem reação, beliscando minha bochecha esquerda, como em todas as vezes que não tinha o que dizer.
- Fazer  o que, você é um dos meus melhores amigos - disse, sem expressão facial.
Senti uma faca rasgar meu peito, era como se sangue nenhum passasse em minhas veias, e um filme atravessasse minha mente, me arrebentando por dentro, eu apenas lutava para não deixar nenhuma lágrima cair. Ele não merecia, ele devia e iria ficar feliz. 


A chamada de seu vôo foi anunciada, havia chegado o momento.


- Pierre, hora de ir - Jeff voltara com os garotos, sorrindo e carregando uma das malas. Fiz a mesma coisa, acompanhando-os até a porta de embarque.
Um a um foram se despedindo, vi lágrimas rolando pela face dos irmãos, frases como ''até logo'' ''te vejo em breve'' eram proferidas o tempo todo. E era chegada a minha vez, hora de me despedir.
- Davie - disse abrindo os braços, e me puxando mais uma vez para um abraço apertado - Obrigado e me desculpe por tudo, te mandarei notícias, tá bem ? E direi todos os recados a Lachelle - riu baixinho. 
- Adeus, se cuide Pierre - bati em suas costas, forçando um sorriso, sem ter forças para dizer mais nada.
O maior notando a aparente tristeza no tom da minha voz, pegou minhas mãos gélidas, olhou-me e beijou minha testa. Apenas consegui fechar os olhos, sentindo então, pela última vez, os lábios do meu melhor amigo em minha têmpora. Senti uma lágrima escorrer, era tarde demais.
Por fim, soltou-me, pegando suas malas e dando um tapa na cabeça de Chuck, nos fazendo rir.
- Tchau - disse em tom baixo - vejo vocês por aí. 
Então deu o aceno final, dando sua passagem para a funcionária, indo para seu avião. Indo cortar os céus, na busca de selar seu destino tortuoso. Esperei até com que partisse, fotografando o momento com meus olhos, que agora, não podiam conter as lágrimas.


Saí apressado do aeroporto, desnorteado e completamente só, me sentindo órfão, por assim dizer. Por um momento me senti egoísta, mas por outro, orgulhoso. Eu havia cumprido o que prometi, ele havia cumprido seu destino, e seria feliz de fato,sem mim, como era pra ter sido desde o começo disso tudo.
Poderia ficar infeliz, vendo minha vida passar como poeira entre meus dedos, mas aquele sentimento de perda iria, mais cedo ou mais tarde, desaparecer. 
Eu poderia seguir, tendo a certeza de que meu melhor amigo estaria a salvo, e assim, eu também estaria a salvo. Eu estaria vivo, seguro, e feliz, vendo Pierre feliz, e isso era maior do que qualquer tristeza que poderia vir a me atormentar nas noites frias. E então, as lágrimas secaram, como se sua mão tivesse as enxugado,como mágica, e finalmente percebi, que ele estaria comigo, sempre, como a parte de mim que ele sempre foi, e não importa o que ocorra, sempre será. 






Dedicada a Anna Périco e Anny Tavares.

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