quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Escrevo para te deixar ir - Julho de 2022

 2021, pandemia. Dos sete irmãos, naquele momento, sobraram apenas quatro e a dor foi imensa. Tio Norberto se foi, assim como se foi o dominó, baralho, o "cachorro duque" e o "vai lamber sabão". Depois dona Maria e Tia Rose. E acho que nunca mais consegui falar "nossa senhora" sem lembrar dela.

Esse ano foi a Tia Lu, e rapaz, foi foda. Doeu como o inferno saber que ela foi embora. Dos sete agora eram só três e ter a consciência de ser a geração que vai ver os mitos indo um a um é de um profundo desespero. Guardo sua risada, seu "pomba", dominós e o último abraço que lhe dei, dizendo que parecia a minha vó, que meu cabelo era castanho e não loiro e que irmãos eram todos iguais.

Enquanto a tia fazia sua passagem, meu vô Carlos não veio vê-la, estava debilitado após uma pedra no rim. E de lá as notícias só pioraram, era o câncer, era terminal, era ver o velhinho indo embora, devagarzinho, com dor, fraco e magro.... até o dia chegou, 28 de julho de 2022 aos seus setenta e cinco anos.  Dos sete irmãos, somente dois, Vó Cida e Tia Célia.

Saber que ele precisava ir por ter lutado o suficiente e merecer toda a paz do mundo não diminui saber que ele poderia estar entre nós e que algo, mesmo que mínimo, poderia ter sido feito. Não dependia de mim somente, mas há coisas que não entram na minha cabeça. Muitos dizem que o câncer é fruto de ressentimentos, que ensina algo a pessoa que o adquire (?), mas as pessoas querem viver, e a maior dor que sinto é saber que ele queria viver, e viveria bem se não fosse isso. O que me dói é ver a mim, por exemplo, que já desistiu da vida faz tanto tempo aqui, firme e forte, enquanto quem quer e gosta de viver está se esvaindo.

Vovô morava no interior mas parecia que morava comigo, já que eu o imito desde sempre. Apesar da distância da idade, das discordâncias do choque de gerações e de todas as tretas que deixaram nosso laço mais solto era como se estivesse aqui ou a qualquer momento ele fosse aparecer de carro aqui, com os pelos brancos do braço contrastando com o relógio prateado. E parece que ele sabia que eu não queria ter me despedido vendo-o fraco no hospital e ainda assim ganhando um "E o namorado?".

Mas ele não está, não vai falar que meu arroz está duro, não vai cantar Chitãozinho e Xororó e fazer Nhanhanhonô depois, não vamos mais pescar e ele não vai dizer Tchá quando pegar uma tilápia com meu pai. Não vai dizer pra levantar e fazer café pro véio, nem soltar seus famosos puns em alto e bom som e dizer que foram os outros. Não vai benzer nada e nem dizer "saravá, caboclo". Não usará mais seu chapeuzinho de palha pra proteger sua careca, e é isso, acabou-se meu vô careca. 

Mesmo sabendo que o gatinho veio me dar tchau por você e aliviar esse peso dizendo que estava tudo bem, dói muito. Por isso escrevo, escrevo pra te deixar ir, por não ter te dado um bisneto, por não ter tido coragem ou qualquer outra coisa que poderia ter te ajudado. Escrevo pra honrar seu legado e desvendar os mistérios do nosso sobrenome, por mais que você não acredite que seu avô veio da Austria, tenho imagens e documentos, poxa! haha. E estou curiosa pra ver qual de nós herdará seus olhos azuis nas próximas gerações, como você herdou o do seu vovô.

Que todos se juntem aí por nós, como boa italianada que são. Vai ter palavrão e xingos até uma hora que eu sei.  Que vocês todos aí em cima, bisavôs Albino e Benedito, bisavós Maria Arena e Maria de Lurdes, Vovó Benedita que nem cheguei a conhecer, tio Albino, tio Xepa, tio Norberto, tia Lu e vovô Carlos façam uma festa boa e descansem. Nós só ficamos, e sentimos falta.

Que a eternidade lhe receba, "Carlô".

- Biah