quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Três meses e sete dias - Dezembro 2022

 " Mas quando isso vai acabar?"

"Em três meses e sete dias"

E esse foi o recado dado por forças além de nossa compreensão a minha mãe. Todos fizeram seus calendários baseados nisso e crentes que não seria nada demais, mas foi, e foi muito mais do que se pode aguentar.

Esse ano foi um ano de perdas, e se parar para ler todas as postagens daqui se tratam sobre luto ou sobre como lidar com ele. Porém há situações, como pensei uns dias atrás, que não acreditamos, apenas aceitamos e é exatamente isso que se trata. É difícil e dolorido quando alguém de nosso convívio se vai, ainda mais antes da hora, ainda mais nessas circunstâncias (as quais não se deve mencionar aqui). Tivemos que ler, reler, entender e buscar razões que justificassem todo esse caos. Pensamos em quem se foi e principalmente em quem ficou. A dor de saber que os familiares primários da sua maior inspiração se foram todos em meses é horrível, dilacera qualquer um.

Acabou-se o cara mais engraçado do mundo, sem juízo e sem noção por muitas vezes. Acabou-se a camiseta do AC/DC e o som alto no carro sem cinto de segurança pois "não gosto de andar preso de jeito nenhum". Acabou-se o herói da minha infância. Acabou-se o motivo de ainda viajar pro interior, é o fim dele, do "bicudinho" pois "bicudão" era meu pai, e depois acabou ficando só "bicudo" mesmo. Acabou, e nem pudemos nos despedir de uma maneira digna e coesa. Que dor, que inferno. Acabou o vinil, acabou a cerveja, acabou-se o carro encostando na garagem do vô altas horas da noite. Acabou-se o tio, irmão, primo e pai. Acabou, como um sopro do vento, como se não fosse alguém de se admirar apesar de todos os pesares. Foi o fim mais doloroso que presenciei em quase trinta anos de vida.

Que você se perdoe e encontre finalmente a paz que procura e a única lição que aprendi esse ano foi essa, há coisas que não acreditamos, apenas aceitamos.


E é isso.

- Biah - Dezembro de 2022.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Escrevo para te deixar ir - Julho de 2022

 2021, pandemia. Dos sete irmãos, naquele momento, sobraram apenas quatro e a dor foi imensa. Tio Norberto se foi, assim como se foi o dominó, baralho, o "cachorro duque" e o "vai lamber sabão". Depois dona Maria e Tia Rose. E acho que nunca mais consegui falar "nossa senhora" sem lembrar dela.

Esse ano foi a Tia Lu, e rapaz, foi foda. Doeu como o inferno saber que ela foi embora. Dos sete agora eram só três e ter a consciência de ser a geração que vai ver os mitos indo um a um é de um profundo desespero. Guardo sua risada, seu "pomba", dominós e o último abraço que lhe dei, dizendo que parecia a minha vó, que meu cabelo era castanho e não loiro e que irmãos eram todos iguais.

Enquanto a tia fazia sua passagem, meu vô Carlos não veio vê-la, estava debilitado após uma pedra no rim. E de lá as notícias só pioraram, era o câncer, era terminal, era ver o velhinho indo embora, devagarzinho, com dor, fraco e magro.... até o dia chegou, 28 de julho de 2022 aos seus setenta e cinco anos.  Dos sete irmãos, somente dois, Vó Cida e Tia Célia.

Saber que ele precisava ir por ter lutado o suficiente e merecer toda a paz do mundo não diminui saber que ele poderia estar entre nós e que algo, mesmo que mínimo, poderia ter sido feito. Não dependia de mim somente, mas há coisas que não entram na minha cabeça. Muitos dizem que o câncer é fruto de ressentimentos, que ensina algo a pessoa que o adquire (?), mas as pessoas querem viver, e a maior dor que sinto é saber que ele queria viver, e viveria bem se não fosse isso. O que me dói é ver a mim, por exemplo, que já desistiu da vida faz tanto tempo aqui, firme e forte, enquanto quem quer e gosta de viver está se esvaindo.

Vovô morava no interior mas parecia que morava comigo, já que eu o imito desde sempre. Apesar da distância da idade, das discordâncias do choque de gerações e de todas as tretas que deixaram nosso laço mais solto era como se estivesse aqui ou a qualquer momento ele fosse aparecer de carro aqui, com os pelos brancos do braço contrastando com o relógio prateado. E parece que ele sabia que eu não queria ter me despedido vendo-o fraco no hospital e ainda assim ganhando um "E o namorado?".

Mas ele não está, não vai falar que meu arroz está duro, não vai cantar Chitãozinho e Xororó e fazer Nhanhanhonô depois, não vamos mais pescar e ele não vai dizer Tchá quando pegar uma tilápia com meu pai. Não vai dizer pra levantar e fazer café pro véio, nem soltar seus famosos puns em alto e bom som e dizer que foram os outros. Não vai benzer nada e nem dizer "saravá, caboclo". Não usará mais seu chapeuzinho de palha pra proteger sua careca, e é isso, acabou-se meu vô careca. 

Mesmo sabendo que o gatinho veio me dar tchau por você e aliviar esse peso dizendo que estava tudo bem, dói muito. Por isso escrevo, escrevo pra te deixar ir, por não ter te dado um bisneto, por não ter tido coragem ou qualquer outra coisa que poderia ter te ajudado. Escrevo pra honrar seu legado e desvendar os mistérios do nosso sobrenome, por mais que você não acredite que seu avô veio da Austria, tenho imagens e documentos, poxa! haha. E estou curiosa pra ver qual de nós herdará seus olhos azuis nas próximas gerações, como você herdou o do seu vovô.

Que todos se juntem aí por nós, como boa italianada que são. Vai ter palavrão e xingos até uma hora que eu sei.  Que vocês todos aí em cima, bisavôs Albino e Benedito, bisavós Maria Arena e Maria de Lurdes, Vovó Benedita que nem cheguei a conhecer, tio Albino, tio Xepa, tio Norberto, tia Lu e vovô Carlos façam uma festa boa e descansem. Nós só ficamos, e sentimos falta.

Que a eternidade lhe receba, "Carlô".

- Biah

terça-feira, 12 de julho de 2022

A letter to a old friend (July 2022)

 Hoje soube que você partiu, e doeu como se eu tivesse tomado um soco. Perdi todo meu ar tentando processar a informação, e ainda assim não consegui.

A distância separa vários caminhos e eu tenho essa ciência, mas minha memória, boa como é, não me permite esquecer as piadas, risadas, usos de gloss, brigas, músicas e técnicas de artes marciais, isso era você, tão adolescente quanto eu, em uma época que as coisas pareciam mais simples.

Crescemos, mudamos (você mais do que muitos) e observar isso foi incrível de alguma forma. Mas você se foi, antes de mim, antes do tempo. Antes de cumprir o seu legado, da sua luta de uma vida. Não me cabe dizer o que é justo ou certo nesse momento, mas cabe pedir que você encontre a paz, ensinamentos e o que sempre procurou de alguma forma.

Sinto muito, sinto tudo. E agradeço por ter algo de ti tão vívido como se dois mil e cinco tivesse sido ontem. 

RIP

Maha.


and I can't wait to be next, see you soon.



domingo, 5 de dezembro de 2021

05th December 2021

 [...]

I quit, I give up
Nothing's good enough for anybody else
It seems and
I quit, I give up
Nothing's good enough for anybody else
It seems and
Being alone is the, is the best way to be
When I'm by myself it's the best way to be
When I'm all alone it's the best way to be
When I'm by myself, nobody else can say goodbye

(Circle - Bowling for soup)

domingo, 4 de julho de 2021

July 2021 - and the same old madness

         Há alguns meses minha carreira deu um salto, ou eu deveria ver dessa forma. Mesmo diante de todos os meus erros estou ali, "progredindo", "aprendendo" e em melhor condição. Estava confiante e feliz, apesar de insegura, que poderia fazer uma simples diferença e trazer o que eu achava que faltava no ambiente. Mas estava errada, e as coisas nunca estiveram tão ruins. 

        A insegurança aumenta diariamente, assim como meu ódio de ver os ocorridos e estar de mãos atadas. Ao longo dos anos me culpei por não conseguir estreitar laços com as pessoas ou não ser sociável o bastante para obter uma conversa agradável por muito tempo e ali eu consegui, após alguns anos eu realmente me sentia "em casa". Hoje percebo que tudo o que vivenciei até agora foram meras formalidades e que nada era real. Fui inocente, fui ingênua e nem sei o motivo de estar tão surpresa. Sempre acreditei que as crianças eram as mais sinceras, ao menos nisso eu tive razão e essa tem sido minha única motivação.

        A decepção ao escrever isso é completa, e isso tem me desanimado cada vez mais ao longo dos dias.

        A frustração vai além do convívio, envolve como as pessoas são, como o sistema econômico e social funciona, como é a natureza do ser humano em geral. Os relacionamentos e como o egoísmo é o fator norteador de tudo. O desapontamento, mesmo no auge de todos os meus privilégios, é completo. E eu não deveria me sentir dessa forma, creio que não mereço me sentir assim. A dor maior é saber que não importa o quanto eu estude, o quanto eu ache que sei ou deveria saber, nada nunca vai ser o bastante e sempre estarei aquém do que eu poderia alcançar. Estarei sempre atrás e duvidando de mim, de cada conquista e de cada coisa que eu produza. Vou sempre me lamentar, embora isso seja horrível, de ter me tornado uma pessoa mediana. Vou sempre me arrepender de tentar ajudar os outros e me anular, ou simplesmente estar tão exausta e perder a vontade de discutir.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Another year is over - December 2020

 Novamente faço o balanço dos acontecidos, agora que o ano se finaliza de fato. Chega a ser meio assustador ter sobrevivido a ele já que foi tudo imerso ao mais absoluto caos e sigo sem entender nada desde março. Pensando por mim, no alto de meus privilégios, escrevo pensando  pelo fato que eu tenho mais a agradecer do que pedir para o próximo ano que se aproxima.

Comecei a escrever tudo isso ontem e simplesmente parei devido o teor amargo do texto e hoje me vi pensando no quanto de coisas que aconteceram em minha vida e o quanto tudo está diferente do começo de 2020 pra cá.

Tenho meu próprio espaço, que já está mobiliado com todo o conforto, da cor e do modo que desejei e trabalhei para. Meus pais deram esse grandioso presente, e embora eu nunca vá me sentir digna disso, é algo que vai me impulsionar mais ainda a crescer. Fico grata pelo privilégio de ter meus pais, juntos, com saúde, vivendo suas vidas e aposentadorias em relativa paz finalmente. Eles, mais do que qualquer um nesse mundo, merecem. Nunca vou conseguir agradecê-los o suficiente e nem chegar aos seus pés, nem como pais nem como seres humanos num geral. E isso é uma das tristezas maiores que carrego, apenas peço aos deuses que os mantenham exatamente como são e que eu compartilhe diariamente de seus aprendizados por um longo tempo.

Consegui terminar o ano letivo em trabalho remoto e lidando bem, na medida do possível, com as dificuldades que se apresentaram ao longo do caminho. Entre videoaulas, transmissões ao vivo, preenchimento de papeladas e toda a burocracia, conseguimos. Teremos muito a correr pro ano seguinte, então espero ter força e coragem para enfrentar dois períodos de trabalho e os futuros estudos que pretendo realizar e parar de procrastinar.

Agradeço pela minha saúde, por ter um espaço para ver a lua em noites como essa, por estar perto dos meus pais e irmãos e ciente que estou tentando fazer meu melhor. Por ter comida na mesa, por saber administrar minhas finanças e ter sobrevivido a mais um ano sendo "jovem adulta" com os trinta quase batendo na porta. Por trabalhar com o que eu gosto, mesmo sem o retorno financeiro adequado. Pelo meu parceiro, independentemente de tudo o que tenhamos passado até aqui, por ter sido um ano com bastante desentendimentos e adaptação conjugal a nossa nova realidade. Eu não teria chegado até aqui tão rápido sem ele e fico feliz que estamos segurando as mãos um do outro mesmo em tempos de total desesperança. Que sejamos justos, amorosos, respeitosos, firmes e fortes nessa jornada juntos e que os ventos sempre soprem a nosso favor. 

Não posso deixar de falar que as coisas mudaram dentro de mim, e não sei dizer se para melhor. Embora eu esteja imensamente grata por tudo que citei acima, percebi ao decorrer de 2020 que algumas coisas nunca mais serão como antes e isso é imensamente assustador. A pandemia não nos tornou seres humanos melhores, pelo contrário, evidenciou a anomia social e o abismo que há entre todos nós em alguma medida. Temo pelo país, pelo futuro da minha profissão, pelos meus alunos e crianças no geral que crescerão em um local desgovernado e nas mãos de gente tão incapaz e desumana. A perspectiva não é das melhores desde a eleição do inominável e com o aumento do espaço que os lixos da história conquistaram nesses últimos tempos. É desolador.

Não deixo de me importar, infelizmente, com o que pensarão das coisas que vou dizer, se vão ficar sentidos ou com raiva e isso eu realmente preciso mudar. Passei minha vida inteira me culpando por não criar laços ou mantê-los, mas eu escolho por mim, e não pelos outros. O que aprendi, ainda mais nesse ano, é que estamos sozinhos de alguma forma e é mais justo do que compartilhar a vida com quem não te considera da mesma maneira, quem não te inclui em seus planos e atrasa o seu progresso. Gostaria de sentir menos ódio e me afetar menos com determinadas situações ou simplesmente parar de ficar pensando de novo e de novo nos acontecidos que não me trazem nada de valioso e nenhum aprendizado. Ser alguém que pensa demais e sente demais é horrível, realmente. 

Minha banda preferida e razão de todos os surtos e textos apaixonados nunca mais será a mesma, e tenho ciência completa que a sensação de felicidade genuína que senti ao vê-los ao vivo nunca mais se repetirá. Digo, poderá acontecer a empolgação e a vontade absurda de estar onde eles estão, mas em um canto da minha memória o acontecido desse ano estará sempre lá. A falta de respostas, a dor e o desapontamento... foi uma das grandes perdas do ano, a sensação de perder a única coisa que me mantinha nos eixos por um período razoável de tempo e isso ainda dói, todos os dias, todas as horas e todos os minutos.

E por fim, percebo que não tenho tantas metas quanto antes, não sei se isso é bom ou ruim mas é a realidade. Creio que o contexto em que estamos não me permite fazer planos, apenas trabalhar pra que eu tenha condições de seguir da melhor maneira durante todas as tempestades que estão por vir, e repito meu desejo de ter coragem, a mais absoluta coragem, pra dizer tudo o que penso na hora correta, ser justa e agir com mais razão e menos coração.

Seguimos.....

- Biah 

(Dezembro de 2020)


sábado, 13 de junho de 2020

The caos- June, 2020

O auge da pandemia e da maior crise que enfrentamos na história contemporânea. O caos está instaurado, em todos os sentidos.
É comum sempre fazer um balanço de como estão as coisas em cada semestre, e no altar de todos os meus privilégios ainda sinto que sempre vai ter algo errado, e que só vai melhorar quando eu for embora.

Voltei a usar essa rede mas por uma razão completamente diferente: meu trabalho! Tem sido um desafio e tanto, mas continuo dando meu melhor para que as crianças entendam as coisas.... então eu vejo o machismo, a violência policial, preconceitos, homofobia e vejo que falhei como profissional. Vejo que falhei como humana quando há milhares de pessoas morrendo diariamente e não consigo fazer um nada para ajudar a evitar isso e nem forças pra lutar que as autoridades competentes REALMENTE ajam de acordo com as suas funções. Vejo minhas crianças recorrendo ao tráfico, sendo presas com toda a truculência que o Estado oferece ao menino negro e pobre da periferia, e sinto meu coração despedaçado por eles, pelos meus "filhos" que meu coração adotou. E nunca consigo fazer nada, minha voz some diante de todo esse caos e o desespero toma conta.


E lembro dos meus erros, de todos eles, que deveriam ter me tirado do caminho docente faz muito tempo.

Todos os dias me questiono como esposa, amiga, filha e todos os papéis sociais que ocupo ou tenho que ocupar. Há horas que penso estar agindo certo e há momentos que não sei o que está errado e do porquê determinadas coisas acontecem, mas é sempre isso, sempre da mesma maneira. Faz tempo que desejo estar só, e ver isso se concretizando me assusta, mas, ao mesmo tempo, me conforta de saber que aquela menina do ensino médio que sabia que não iria levar ninguém e nada consigo estava certa. Ela sempre esteve e por mais que eu tente nadar contra a maré é isso que vai acontecer (e ainda bem!).

A sensação de "estar fazendo muito por quem faz pouco e estar fazendo nada por quem faz muito" não vai embora... e nem a sensação de ter escolhido tudo errado ao longo da vida. A cobrança mental de "aproveitar o isolamento para fazer algo" e o conflito entre "descanse, não terá outra oportunidade como essa" é algo que enlouquece qualquer um que pense demais. E está me enlouquecendo, num mar completo de desgosto.

Não sei se sairei "uma pessoa melhor" de tudo isso, e sinceramente espero que não se o melhor for mentir sobre minhas sensações, omitir o que penso e buscar atenção/consideração onde elas não são espontâneas. Resiliência não existe e é só uma palavra que se popularizou na boca daqueles que não sabem seu real significado.

E seguimos, um dia após o outro, na esperança de que um tiro na boca me impeça de pensar demais.

- Biah (13/06/2020)