quinta-feira, 23 de março de 2017

Eu.

Beatriz acorda todos os dias pontualmente às 10h05 da manhã, o que seria considerado (bem) tarde para os padrões de trabalhadores assalariados do Brasil. Olha-se no espelho e apanha sua toalha para realizar sua higiene matinal. Após isso, enrola usando seu computador, atualizando-se das notícias sobre política, educação ou mesmo suspira de nostalgia vendo coisas sobre sua banda preferida, que permanece a mesma há cerca de onze de seus vinte e três anos.
Coloca sua roupa de trabalho, geralmente jeans preto e uma camiseta preta, acompanhados de tênis all star, ou coturno de couro, caso esteja chovendo. Após, desce para sua cozinha, verificando se há sobras do dia anterior ou se pode adiantar algum almoço para aguentar as aulas que ministrará ao longo do dia. Senta-se para ouvir a rádio, repleta de músicas dos anos dois mil, esperando mais uma vez que a banda canadense a qual tanto ama toque para alegra-la. Olha seu celular para verificar se tem algo importante, o que raramente acontece.
Finalmente organiza sua aparência e objetos que usará para desempenhar a sua função, saindo de casa para aguardar o ônibus.
Beatriz cumprimenta a todos quando chega a escola, troca palavras engraçadas e conversa amenidades. Organiza-se novamente, repassando o cronograma mental de tudo o que precisa realizar em cinquenta minutos, ou cem minutos. Dá suas aulas, que, em determinados momentos, lhe dão prazer (ainda que saiba que sua capacidade como profissional é miserável, e seus alunos estão expostos a uma formação bem longe da adequada), e, que em outros, lhe dão profundo desgosto e aumentam sua sensação diária de vazio.
Quatro ou seis aulas se passam, dependendo do dia, e ela volta para a sua casa. Dois dias da semana vai para a faculdade, nos demais, fica em casa para preparar e corrigir atividades, montar aulas ou mesmo procrastinar, à espera de mais um dia.
 Beatriz senta-se novamente a frente do seu computador e perde-se diante do maravilhoso mundo das redes sociais, que a distraem desde seu ensino médio e foram responsáveis por centenas de atividades mal feitas ou sequer feitas. Ri ao se recordar disso, e pensa em seus hábitos imutáveis. Pensa também, já que mencionou o ensino médio, que sua escolha em fazer faculdade de história foi feita naquele contexto. Lembra-se que ao matricular-se fez porque queria, e porque uma pessoa a qual se importava naquele momento estaria com ela. Percebe que teria feito diferente, pois a mesma decisão que lhe trouxe certa estabilidade no emprego (com ressalvas) lhe trouxe dor e grande parte dessa sensação de vazio e insatisfação que ainda a persegue diariamente. Analisa também que desta escolha vieram suas frustrações com política, com a vida e com os seres humanos que habitam o mesmo planeta. Pessoas mesquinhas, preconceituosas, estúpidas e insensíveis. Pessoas estas que perderam sua capacidade de colocar-se no lugar do outro e, diariamente, assistem seu fim, enquanto os que analisam o que ocorre tentam exaustivamente abrir-lhes os olhos, sem sucesso. Tamanha sensação de cansaço faz Beatriz debruçar-se sobre a única coisa que a mantém feliz por um longo período de tempo : sua banda preferida. 
Seu desejo desesperado de voltar para Dezembro do ano anterior, olhar nos olhos do grande amor de sua adolescência (ou mesmo vida) falando seu nome e reconhecendo seu grande sentimento e dedicação, o que parece cada vez mais distante, para o seu desespero. Esse questionamento constante contribui todos os dias para o seu mal humor, dificuldade em se aproximar das pessoas e mantê-las em sua vida, desesperança e apenas a percepção de suas falhas como estudante, professora, amiga e ser humano. Todos os dias um novo erro, e nenhuma atividade executada com perfeição ou, no mínimo, sem nenhum erro infantil. 

Seus projetos de vida simplesmente deixaram de existir, bem como o seu gosto e vontade de estar viva. Por fim, ela dorme, preparando-se novamente para um outro dia.


(Biah- Março de 2017)

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